A região da Amazônia é extremamente rica em recursos. No entanto, enfrenta questões como a insegurança energética e dependência de combustíveis fósseis devido às particularidades de seu bioma. Neste contexto, o desenvolvimento sustentável de energia é um ponto fundamental para conciliar progresso socioeconômico com preservação ambiental.
Fontes como o gás natural e o hidrogênio verde, produzidos a partir de fontes renováveis como a hidroeletricidade, apresentam-se como alternativas promissoras para impulsionar o desenvolvimento regional de forma limpa e eficiente. Mas afinal, quais são os desafios que limitam essa evolução de ocorrer com maior rapidez? Gabriel Lobato Cardoso, pesquisador do IEE-USP, responde as principais questões sobre o tema.
- Cenário energético na Amazônia;
- Quais são os principais desafios e oportunidades para a implementação de um modelo energético de desenvolvimento sustentável na Amazônia?;
- Os principais investimentos que devem ser feitos para um desenvolvimento sustentável de energia na Amazônia
Cenário energético na Amazônia
Como já mencionado, a região amazônica tem características muito peculiares. Portanto, o cenário de energia difere-se do restante do Brasil. “É preciso superar uma série de desafios deveras antigos na Amazônia (como a insegurança energética, dependência de combustíveis fósseis e carência de acesso universal à energia) que influem diretamente no desenvolvimento socioeconômico da região e que, sob uma ótica local, podem ser interpretados como barreiras para a sustentabilidade da transição regional”, afirma Gabriel, que prossegue explicando o cenário:
“Um ajuste no descompasso na escada energética da Amazônia esbarra na escala continental dessa porção do país, nas suas dualidades sociais e nos tratamentos externos dados à sua existência – ora vista como mercadoria por um olhar exploratório, ora vista como intocável por um olhar neocolonialista. Em ambas as situações, suas populações mais carentes continuam a padecer com políticas que desconsideram suas demandas energéticas, sociais e econômicas. Somente uma profunda mudança no olhar para com a Amazônia, atribuindo a sua população o tão almejado protagonismo, poderia abrir caminho para uma transição justa e benéfica.”
O pesquisador também esclarece que um desenvolvimento energético sem nenhum tipo de impacto ambiental é um cenário utópico. Porém é possível optar por fontes que minimizem danos:
“Todo vetor energético causará impactos socioambientais ao longo do seu ciclo de vida, mesmo os nomeados como renováveis. A questão está no desenvolvimento otimizado do projeto e na elaboração de medidas que mitiguem tais impactos, por isso a importância de ouvir as demandas das populações locais que serão atingidas pelo empreendimento, as quais podem e devem ser beneficiadas. Isso é ainda mais importante quando os projetos abarcam áreas indígenas e de proteção ambiental, pois ambas possuem legislações específicas para a sua exploração. Parte disso é coberto pelos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) que são realizados durante o processo de licenciamento. Entretanto, é preciso uma maior fiscalização durante a operação do empreendimento para atestar o cumprimento das medidas conforme as condicionantes estabelecidas e as legislações vigentes.”
Quais são os principais desafios e oportunidades para a implementação de um modelo energético de desenvolvimento sustentável na Amazônia?
“Para projetar um modelo energético sustentável para a Amazônia, considerando os paradigmas da atual transição energética, é preciso antes consolidar dois pilares estratégicos: a segurança e a justiça energética. Basta observar o setor elétrico regional, composto por 137 Sistemas Isolados de abastecimento intermitente e cuja matriz é composta, majoritariamente, por óleo diesel (69%), resultando em emissões de CO2 estimadas em 2,4 MtCO2eq/ano”, diz Gabriel, que prossegue:
“Roraima continua sendo o único estado brasileiro fora do Sistema Interligado Nacional (SIN), o que resultou, em um passado recente, na dependência do estado quanto ao abastecimento oriundo da Venezuela, cenário que só foi neutralizado pela entrada do gás natural do Amazonas para a geração termelétrica na usina Jaguatirica II. Soma-se a isso a falta de acesso à eletricidade por cerca de 990.000 habitantes da Amazônia Legal, distribuídos em porções nas quais o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) varia entre 0,4 e 0,6. O Pará é o estado mais impactado, com 409.593 habitantes sem acesso à eletricidade, dos quais 98.416 residem em três dos municípios com os menores IDH do Brasil – Portel, Bagre e Melgaço, no Marajó.”
Ainda segundo o especialista, a opção mais viável para trazer segurança no abastecimento da área é investir na variedade da matriz de energia: “Assim como no restante do planeta, observa-se uma tendência de complementaridade entre as fontes renováveis na Amazônia. A biomassa obteve papel de destaque pelas pesquisas desenvolvidas na região entre os anos 1980 e 1990 sobre o uso do óleo de dendê como biocombustível. Porém, nos últimos anos, constata-se uma expansão na adoção de painéis fotovoltaicos tanto no ambiente urbano quanto no rural – neste último facilitado, sobretudo, por incentivos governamentais como o programa ‘Mais Luz para a Amazônia’.”
De acordo com o pesquisador, a região também apresenta potenciais eólico e maremotriz concentrados nos litorais do Pará e Amapá; todavia, ainda restritos ao nível de pesquisa.
“A sustentabilidade dessas fontes depende (e dependerá) não só da já mencionada complementaridade, mas também da superação de desafios logísticos e tecnológicos quanto à implantação de projetos na região, principalmente relacionados às fontes solar e eólica.”
Os principais investimentos que devem ser feitos para um desenvolvimento sustentável de energia na Amazônia
Gabriel Lobato declara que a adição de fontes renováveis à matriz energética amazônica demandará tempo, incentivos financeiros e institucionais para superar barreiras tecnológicas, logísticas e de infraestrutura.
“Para esse intervalo de tempo, discute-se a evolução de uma transição sustentável que preveja investimentos em outras fontes energéticas mais seguras, como o gás natural já explorado na região e visto como um combustível de transição para uma matriz menos intensiva ou neutra em carbono, a fim de proporcionar a base econômica e tecnológica para fortalecimento das fontes renováveis”, completa.
Por fim,o especialista aponta que ao tratar especificamente de setores, investir na expansão de infraestruturas de transporte e distribuição desponta como fator vital para o setor elétrico: “Ao passo que os diferentes modais de transporte e as indústrias regionais podem se beneficiar do uso do gás natural como combustível e insumo, dados os recentes incentivos às malhas de distribuição via gasodutos e gás natural liquefeito (GNL). Observa-se, ainda, um potencial de expansão do parque tecnológico regional para a produção local de componentes para painéis fotovoltaicos, por exemplo, abarcando não somente estruturas, mas, ainda, a qualificação de mão-de-obra para o retorno à sua população.”