Descargas atmosféricas: conheça seus impactos e os sistemas de proteção

As descargas atmosféricas são elementos da natureza que mexem com o imaginário humano desde a pré-história. Nossos antecessores se impressionavam com a magnitude desse fenômeno, ligando suas origens a uma expressão do poder dos deuses.

As descargas elétricas foram interpretadas por várias sociedades ao longo da história humana como expressões da força ou raiva de suas próprias divindades. Somente na última parte do século XVIII – graças às contribuições de Benjamin Franklin – é que essas características puderam receber uma explicação científica.

Este artigo busca abordar mais sobre este fenômeno, que sempre foi, na mesma medida, temido e admirado pelo homem.

Neste conteúdo você verá:

O que são as descargas atmosféricas?

Uma descarga atmosférica consiste em um ou mais impulsos de corrente elétrica com intensidades típicas da ordem de dezenas de quiloamperes, que ocorre entre uma nuvem e o solo, dentro da nuvem ou entre nuvens.

O relâmpago é o efeito luminoso provocado pela corrente elétrica extremamente elevada produzida pela descarga atmosférica. Essa corrente elétrica percorre um canal com altíssima temperatura formando um plasma que emite radiação eletromagnética, parte da qual é vista como luz.

Um componente adicional da imensa energia de uma descarga atmosférica é o que faz com que a onda de choque produza um grande estrondo, uma vez que o ar aquecido pelo canal da descarga se expande violentamente, resultando no fenômeno conhecido como trovão.

Qual é a origem das descargas atmosféricas?

Erupções vulcânicas e tempestades de areia também podem causar descargas elétricas na atmosfera terrestre. A maioria das descargas elétricas atmosféricas, entretanto, ocorre em nuvens de tempestade, conhecidas como nuvens cumulonimbus.

Numerosas ocorrências atmosféricas naturais que colocam em risco bens materiais, vidas e o meio ambiente são provocadas por esse tipo de nuvem. Grandes nuvens de tempestade em desenvolvimento vertical são fonte de descargas atmosféricas, furacões, tornados e chuvas intensas.

Como a superfície e a alta atmosfera da Terra têm temperaturas diferentes, as nuvens cumulonimbus contém poderosas correntes de ar ascendentes e descendentes. Os “hidrometeoros”, ou gotículas de gelo, neve e água incluídas na estrutura das nuvens, são carregados por essas correntes em alta velocidade.

Estes hidrometeoros movem-se aleatoriamente dentro das nuvens, eventualmente colidindo e resultando em separação de cargas elétricas entre as partículas.

Partículas maiores e com carga negativa, em geral, permanecem na base da nuvem devido ao seu tamanho e gravidade, enquanto partículas menores e com carga positiva permanecem nas camadas superiores da nuvem durante essas colisões.

Predominantemente a parte inferior da nuvem fica carregada negativamente devido a esta distribuição de carga, enquanto a parte superior fica carregada positivamente. A superfície da Terra, por outro lado, tem carga marginalmente negativa. Por outro lado, quando se forma uma tempestade, a carga negativa na base da nuvem é forte o suficiente para repelir as cargas negativas no solo, mais próximas da nuvem.

O solo e quaisquer objetos próximos ou abaixo da nuvem de tempestade ficam carregados positivamente. Como o ar é um mau condutor elétrico, criar um canal de conexão entre as cargas opostas é o próximo passo na criação de uma descarga elétrica. Este potencial vencerá a resistência do ar, que se ioniza e ficará eletricamente carregado, quando a concentração de cargas elétricas em alguma região da nuvem (normalmente em sua base) for suficientemente alta.

Em um processo conhecido como “líder escalonado”, as cargas negativas quebram as propriedades isolantes do ar e começam a fluir livremente durante o processo de ionização, na tentativa de construir um canal de conexão com cargas positivas. Isto resulta na formação de um canal, que se movimenta em direção ao solo e, ao longo desse caminho, sofre ramificações.

Ao se aproximar do solo, o líder escalonado impõe um campo elétrico em elementos no solo (geralmente partes altas, tais como prédios, árvores, torres) onde líderes ascendentes surgem e se movimentam em direção ao descendente. Quando o líder descendente encontra um dos ascendentes, tem-se a etapa conhecida como “conexão”.

Dependendo da quantidade de cargas na nuvem, pode haver uma segunda, terceira ou mais descargas elétricas consecutivas (chamadas de descargas subsequentes) após a descarga elétrica principal (primeira descarga). Essas descargas subsequentes normalmente (mas nem sempre) fluem através do mesmo canal inicialmente formado.

Principais tipos de descargas atmosféricas

Quando falamos sobre descargas atmosféricas, é crucial diferenciar entre os seus efeitos diretos e indiretos:

Efeitos Diretos:

Os efeitos diretos são decorrentes de uma descarga que atinge diretamente uma pessoa, animal ou objeto, como estruturas, linhas de transmissão ou distribuição de energia, geradores eólicos, torres de telecomunicações, edifícios, árvores ou veículos.

Um Sistema de Proteção contra Descargas Atmosféricas (SPDA) tem por objetivo captar e conduzir a eletricidade diretamente para o solo, minimizando os danos.

Efeitos Indiretos:

Os efeitos indiretos de uma descarga atmosférica ocorrem principalmente devido aos campos eletromagnéticos gerados pela corrente do raio. Estes campos induzem surtos em condutores existentes criando sobretensões perigosas que podem causar danos em equipamentos e centelhamentos que podem causar incêndios e/ou explosões.

Esses efeitos ocorrem quando um raio atinge uma área próxima ao objeto considerado (por exemplo, uma linha de distribuição de energia, uma instalação industrial, etc.).

A proteção contra descargas indiretas inclui as medidas de proteção contra surtos (MPS) e aterramentos adequados.

Principais tipos de descargas

Existem diversos tipos de descargas atmosféricas. Dentre elas, podemos destacar:

Nuvem-Terra

Esses são os tipos de descargas atmosféricas mais conhecidas. Eles acontecem quando ocorrem transferências de carga elétrica entre a nuvem e a terra. Embora seja possível que essas descargas ocorram do solo para as nuvens (descargas ascendentes), a maioria delas ocorre das nuvens para o solo (descargas descendentes).

Nuvem-ionosfera

Uma sequência de descargas atmosféricas em direção à ionosfera ocorre na região superior das nuvens. Grandes processos de ionização que permitem a concentração de elétrons livres caracterizam essa camada da atmosfera terrestre, que pode variar em altura de 80 a 500 quilômetros.

Intranuvem

É o tipo de descarga elétrica que ocorre com mais frequência na atmosfera. Eles acontecem dentro da nuvem. Embora seja mais comum que aconteçam dentro dos limites físicos da nuvem, também podem acontecer fora dela, permitindo a observação da ramificação dos raios, como nas descargas nuvem-atmosfera.

Nuvem-nuvem

São as descargas que acontecem entre nuvens.

Principais impactos das descargas elétricas

Danos causados por sobrecargas de energia

Este tipo de dano é normalmente causado por descargas diretas em sistemas elétricos, que causam aumento da tensão das linhas de transmissão ou de distribuição. Descargas próximas a linhas de distribuição também podem induzir sobretensões, resultando em interrupções de fornecimento de energia e danos em equipamentos. Dispositivos que estavam conectados à rede elétrica no momento do impacto, em ambas as situações, podem sofrer danos.

Quando processos industriais, como sistemas de monitorização, ventilação e telecomunicações, dependem do funcionamento contínuo destes equipamentos, os danos nos dispositivos eletrônicos podem resultar em outros tipos de perdas que podem representar perdas econômicas muito maiores. Para garantir a continuidade das operações, é fundamental contar com sistemas de proteção e equipamentos auxiliares suficientes.

Danos causados por incêndios

Danos causados por incêndios causam uma grande preocupação pela sua gravidade, pois podem colocar em risco a segurança das pessoas, além de gerar perdas materiais. Os incêndios devido a descargas atmosféricas, em geral, ocorrem em função da grande energia envolvida no fenômeno, principalmente quando a descarga possui uma componente chamada de corrente de continuidade. Ocorrem também devido à alta temperatura no ponto de impacto e de centelhamentos que possam ocorrer na passagem da corrente.

A corrente de continuidade neste tipo de descarga elétrica é mais prolongada do que numa descarga elétrica típica, produzindo o calor necessário para iniciar o fogo.

Quedas de raios em edifício ou em áreas adjacentes de materiais combustíveis são outra fonte. Os eventos incluem explosões ou produção de materiais perigosos no meio ambiente.

Danos por ondas de choque

Quando descargas elétricas atmosféricas aquecem o ar, ondas de choque são produzidas. O som produzido por essas ondas é conhecido por trovão. As ondas podem se tornar bastante destrutivas quando acontecem perto de uma estrutura. Além de quebrar vidros e fazer valas e fraturas no solo, podem danificar paredes de gesso, concreto, tijolos, blocos de concreto e concreto, além de “estourar” tímpanos e “jogar” pessoas longe no caso de impactos próximos a elas.

Sistemas de proteção

As descargas elétricas atmosféricas têm o potencial de danificar estruturas e serviços relacionados, bem como ferir seres vivos. Apesar de estes fenômenos poderem ter impacto na capacidade de funcionamento e continuidade de uma empresa, existem mecanismos de proteção internos e externos que podem atenuar os seus efeitos negativos nos edifícios, infraestruturas e equipamentos:

  • Os sistemas de proteção contra descargas atmosféricas (SPDA) externos funcionam para minimizar danos a pessoas, propriedades e equipamentos, capturando, conduzindo e dispersando ou direcionando as correntes dos raios de forma segura para a terra.
  • Sistemas de proteção contra descargas atmosféricas (SPDA) internos têm por objetivo evitar centelhamentos perigosos que possam iniciar incêndios, explosão ou choques.
  • As Medidas de Proteção contra Surtos (MPS) atuam na proteção dos sistemas internos à estrutura e aos equipamentos eletroeletrônicos. Como principais MPS podem ser citados o aterramento e ligações equipotenciais em rede; as blindagens espaciais e dos condutores; o uso de interfaces isolantes (fibra ótica por exemplo, para sinais); roteamento dos condutores e os sistemas coordenados de Dispositivos de Proteção contra Surtos (DPS).

Serviço Técnico de Alta Tensão e Descargas Atmosféricas IEE/USP

Um dos Serviços do IEE/USP voltados para a área de descargas atmosféricas é o Serviço Técnico de Alta Tensão e Descargas Atmosféricas. Fundado na década de 1950, ele é pioneiro em testes de alta tensão no Brasil, promovendo testes de isolamento de equipamentos elétricos para sistemas de transmissão e distribuição de energia.

Entre os equipamentos testados, podemos mencionar: transformadores, capacitores, cabos, painéis, para-raios, transformadores de potencial e corrente. O objetivo deste Serviço é garantir a operação segura e confiável dos sistemas elétricos, reduzindo os custos com falhas e interrupções.

As linhas de pesquisa trabalhadas são: monitoramento de equipamentos e linhas; técnicas de diagnóstico de equipamentos; proteção contra descargas atmosféricas em alta, média e baixa tensão; desenvolvimento de materiais e técnicas de medição e calibração em alta tensão.

O Centro de Estudos em Descargas Atmosféricas e Alta Tensão (CENDAT) é um grupo de pesquisa formado no início da década de 90, tendo como principal motivação a busca de soluções para os problemas técnicos enfrentados pelas concessionárias de energia elétrica no campo da transmissão e distribuição de energia, com ênfase naqueles decorrentes de descargas atmosféricas. Dentro desse contexto, o grupo tem desenvolvido diversos projetos de pesquisa que contemplam, em sua maioria, estudos teóricos e experimentais, consolidando assim os resultados alcançados e promovendo a relação entre os laboratórios do IEE e as empresas do setor elétrico.

A competência do grupo é reconhecida nacional e internacionalmente através dos projetos de pesquisa desenvolvidos, pelas publicações científicas, pelo envolvimento de seus membros em comitês científicos de eventos e no corpo editorial de periódicos, além da participação e coordenação de grupos de trabalho nacionais e internacionais. Destaca-se ainda entre suas atividades a organização regular (bianual) do International Symposium on Lightning Protection (Simpósio Internacional de Proteção contra Descargas Atmosféricas – SIPDA), o qual é reconhecido como o evento mais tradicional e importante da América Latina e um dos principais do mundo nessa área.

O envolvimento dos pesquisadores do grupo com esse tema ocorre desde longa data e transcende a própria criação do CENDAT. Nesse particular, merecem destaque os projetos desenvolvidos ao longo da década de 90, com apoio do Centro de Excelência em Distribuição de Energia Elétrica (CED), que impulsionaram o grupo provendo a infraestrutura básica e a criação da massa crítica que resultaria na formação do CENDAT.

O grupo tem atuado principalmente na busca de soluções aos desafios impostos pelas descargas atmosféricas ao setor elétrico, e é aí que suas contribuições e a repercussão dos seus trabalhos se tornam mais evidentes. Tais contribuições envolvem o desenvolvimento e validação de modelos para representação dos principais componentes de sistemas elétricos e o desenvolvimento de estudos teóricos e experimentais visando à caracterização de surtos de tensão e corrente provocados por descargas atmosféricas em sistemas de geração, transmissão e distribuição de energia. Contemplam ainda o desenvolvimento de metodologias para avaliação dos benefícios decorrentes da utilização de diferentes alternativas de proteção de redes elétricas contra descargas atmosféricas, fornecendo assim maior segurança quando do direcionamento dos investimentos destinados à melhoria da confiabilidade dos sistemas elétricos. Além da formação de recursos humanos com alta qualificação, publicações de livros, capítulos de livro e artigos científicos em periódicos de primeira linha e em anais dos congressos mais importantes da área, as pesquisas têm impulsionado a realização de colaborações nos âmbitos nacional e internacional, o desenvolvimento de projetos conjuntos e convites para realização de palestras em universidades, instituições de pesquisa e em congressos na América, Europa e Ásia.

Os pesquisadores do CENDAT desenvolvem atividades de ensino, pesquisa e extensão. No campo do Ensino, são ministradas 5 disciplinas envolvendo o tema “Descargas Atmosféricas”, das quais quatro no Programa de Pós-Graduação em Energia do IEE/USP (disciplinas PEN 5008, PEN 5019, PEN 5026 e PEN 5037) e uma de Graduação (disciplina IEE 0010). Além do Lab. Alta Tensão, a infraestrutura de pesquisa, desenvolvida em grande parte através de projetos financiados por instituições como FINEP, FAPESP e empresas de energia, compreende laboratórios únicos, como o Lab. Pesquisas em Modelo Reduzido e o Lab. Sistema Integrado para Estudo de Transitórios Atmosféricos em Linhas Aéreas.
As atividades de extensão dizem respeito principalmente à realização de cursos, organização de eventos nacionais e internacionais e participação em atividades relacionadas à normalização.

No que tange a eventos sobre descargas atmosféricas, o International Symposium on Lightning Protection (SIPDA) é um evento de natureza técnico/científica que abrange todos os aspectos relativos a descargas atmosféricas, desde o fenômeno físico e sua caracterização até técnicas de medição e de proteção. O simpósio, cuja organização envolve parceria com o IEEE (Institute of Electrical and Electronic Engineers), se constitui em um dos principais fóruns de apresentação, discussão e difusão das mais modernas técnicas relativas à proteção e aterramento contra descargas atmosféricas e seus efeitos, promovendo o intercâmbio entre diversas instituições, do Brasil e do exterior, que desenvolvem estudos relacionados ao tema.

Outro evento na área é o Workshop de Proteção Contra Descargas Atmosféricas. Em sua sexta edição em 2024, o evento ocorrerá dias 27 e 28 de junho, em comemoração ao ILSD – International Lightning Safety Day (ou, em português, Dia Internacional da Segurança Contra os Efeitos Nocivos das Descargas Atmosféricas).

Com o objetivo de apresentar trabalhos técnicos sobre segurança contra os efeitos nocivos das descargas atmosféricas, as palestras ocorrem nos dias 27-28/06, no período 8h-18h.

Recomendações gerais para prevenção de descargas atmosféricas (transcrição de documento gerado na comissão de estudos – CE64.10 – da ABNT que trata do assunto)

Diante de diversos acidentes fatais envolvendo descargas atmosféricas ocorridos recentemente, a Comissão de estudos, apresenta neste documento orientações de segurança para seres vivos.

Em caso de condições climáticas adversas com suspeita de raios, siga estas recomendações:

  • Interrompa qualquer atividade que estiver realizando ao ar livre, tais como esportes, serviços, inclusive agropecuários, e busque abrigo em edificação. As estruturas fechadas de concreto ou alvenaria são exemplos de edificações mais seguras. Não são edificações seguras barracas, quiosques de sapê e contêineres de fibra
  • No deslocamento para um local seguro, não utilize qualquer coisa que aumente a altura do seu corpo, tais como guarda-chuva, guarda-sol; e nem colocar crianças nos ombros.
  • Não se abrigue sob árvores.
  • Dentro de uma edificação, evite ficar próximo de locais que possuam elementos metálicos, tais como janelas, portas e varandas e de aparelhos elétricos.
  • Não entre em contato ou manuseie equipamentos que estiverem ligados na energia elétrica, por exemplo geladeiras, chuveiros, etc.
  • Não utilize telefones celulares quando estiverem conectados na rede elétrica, assim como telefones com fios, secadores de cabelo, chapinhas, etc.
  • Manuseie apenas equipamentos na bateria, conectados via Wi-Fi.
  • Não realize qualquer serviço ou intervenções nas instalações elétricas, mesmo que sejam internas a uma edificação.
  • Evite andar de bicicleta, moto, carro conversível, tratores sem capotas e em carrocerias de caminhões e caminhonetes.
  • Em áreas abertas, fique a pelo menos 3m de distância de elementos metálicos, tais como cercas, grades, portões, postes, veículos e torres.
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