Você sabe qual é o objetivo da gestão integrada de resíduos? É minimizar os impactos negativos causados pela geração de lixo, desde o momento da produção até a disposição final.
A gestão envolve um planejamento que descreve várias ações para reduzir o consumo, padronizar processos, reutilizar, reciclar e valorizar materiais, além de promover a destinação adequada de cada tipo de resíduo. Estas iniciativas são primordiais para a saúde pública, a preservação do meio ambiente e a conservação dos recursos naturais.
Neste artigo vamos explorar mais sobre a gestão de resíduos e seus principais desafios, com base em informações concedidas por Valeria Cusinato Bomfim, pesquisadora do IEE-USP.
- Os impactos da falta de uma gestão de resíduos
- Como fazer uma transição sustentável à luz dos princípios da economia circular
- Desafios no processo de descarte de resíduos
- Logística reversa: o que é e como funciona?
- Como colaborar com a gestão de resíduos?
- Carros elétricos: a solução do momento pode se tornar o problema do futuro?
Os impactos da falta de uma gestão de resíduos
“A falta de uma boa gestão de resíduos implica em diversos riscos. Quando falamos em gestão, significa que é necessário planejar, implementar e monitorar as ações, assim espera-se que sejam estabelecidos procedimentos e fluxos para o gerenciamento dos resíduos. Cabe destacar que há diversas tipologias de resíduos: os comuns (orgânicos, recicláveis), poda e manutenção de áreas verdes, varrição, de serviço de saúde, químicos, radioativos, da construção civil e demolição, os elétricos e eletroeletrônicos, entre outros”, explica Valeria.
A especialista prossegue: “cada tipologia exige um procedimento de descarte, armazenamento, coleta, transporte, tratamento e disposição final. Quando a gestão não observa todo o processo em relação a cada tipologia, não estabelecendo um padrão, os impactos podem ocorrer — e ocorrem. Causam acidentes, elevam os custos, reduzem possibilidades de reaproveitamento e redução de consumo, não permitem a inclusão social, como a participação de cooperativas de catadores de recicláveis. No caso dos resíduos, é fundamental que a gestão ocorra de forma integrada, considerando todas as tipologias e as respectivas rotas, de sua geração até a disposição final.”
Como fazer uma transição sustentável à luz dos princípios da economia circular
“As bases essenciais estão alicerçadas principalmente na existência de uma gestão integrada, onde poderá ser planejada a transição do modelo atual, onde o resíduo é atualmente encaminhado para aterro sanitário possa passar por um processo de economia circular, ou seja, de valorização e redução quase que total de aterramento.
Vale ressaltar que a economia circular tem como princípio o resíduo como produto, assim aquilo que é consumido gerando resíduo, passa a ser compreendido como um produto, numa lógica circular, que deve considerar a possibilidade de reutilização, reaproveitamento, reciclagem, e ou transformação em um novo produto, seja gás – geração de energia ou combustível, composto orgânico para utilização em produção agrícola, entre outros”, esclarece a pesquisadora, que acrescenta:
“Em 2024, o governo brasileiro aprovou uma política de estratégia de economia circular – Decreto 12.082 de 27 de junho de 2024 – com objetivo de promover a transição do modelo de produção linear para uma economia circular, de modo a incentivar o uso eficiente dos recursos naturais e das práticas sustentáveis ao longo da cadeia produtiva. Além da gestão integrada, é fundamental conhecer os processos disponíveis de valorização e normativas vigentes.”
Quando perguntada sobre a relação entre a gestão de resíduos e a economia circular, Valeria afirma que essas questões estão totalmente entrelaçadas.
“Não há como avançar numa lógica de economia circular sem uma gestão integrada. O que ocorre e de forma geral sem uma gestão adequada, é a possibilidade de valorização parcial de alguns tipos de resíduos de forma pouco efetiva, mas sem uma visão ampla dos objetivos e metas a serem alcançadas. A gestão permitirá uma visão mais ampla e o planejamento adequado para a transição, seu monitoramento e avaliação, observando continuamente os resultados.”
Desafios no processo de descarte de resíduos
Uma dúvida comum é se existem, realmente, resíduos com descartes mais complexos. Nesses casos, como é feita essa gestão? Bomfim responde:
“Há de fato algumas tipologias de resíduos mais complexas, como os resíduos radioativos – rejeitos, praticamente não podem ser reaproveitados (a exceção de alguns materiais específicos, mas que envolvem processos complexos), uma vez que após o uso, se transformam em rejeitos e não em resíduos, sua manipulação exige inúmeros cuidados, seguindo inclusive normativas internacionais.”
Ela também cita resíduos químicos e oriundos de serviços de saúde como exemplos de materiais complexos. O gerenciamento desses resíduos deve seguir uma série de normativas vigentes federais, estaduais e municipais, uma vez que os riscos que envolvem são extensos.
No entanto, em alguns casos, possibilidades de processamento ainda podem ser consideradas: “É o caso de alguns resíduos químicos que passam por processos específicos e retornam como reagentes ou produtos químicos. Outro exemplo são as carcaças ou animais não inoculados criados em laboratórios que podem ser processados como matéria para produção de ração de outros animais” menciona Valéria, que conclui o raciocínio dizendo que há ainda outros resíduos que já possuem caminhos para o reaproveitamento, mas dependem de orientações e padronizações definidas através de uma gestão centralizada e integrada.
Logística reversa: o que é e como funciona?
A especialista explica que a logística reversa no Brasil tem a legislação definida por responsabilidade compartilhada, diferente do que ocorre na União Europeia, onde a responsabilidade é estendida. Mas afinal, o que significa isso?
“Na União Europeia, os fabricantes, importadores e distribuidores de produtos são responsáveis pelas embalagens ou resíduos gerados até o final, onde o custo de coleta, tratamento e disposição final é assumido por esses grupos. No Brasil, como a responsabilidade é compartilhada, são estabelecidos acordos setoriais, onde são definidas as responsabilidades e respectivas metas para as diversas tipologias através de discussões de diversos setores envolvidos. Cabe ressaltar que na maioria dos acordos estabelecidos os municípios não participaram.
Os Acordos são bem distintos, o que gera impactos significativos no processo de implementação da economia circular. Há situações já muito bem definidas, como embalagens de agrotóxicos, de remédios, de pilhas e baterias, e pneus, entre outros. Mas há aqueles que as metas estabelecidas nos acordos foram pouco efetivas, como os de embalagens em geral (papel, papelão, plásticos, vidros), lâmpadas, entre outros, deixando para a gestão pública, inclusive a participação de catadores, com a maior responsabilidade.”
Com isso, a implementação da economia circular considerando a logística reversa é bem difícil no Brasil para alguns tipos de resíduos. Um dos caminhos que pode ajudar, principalmente no caso de grandes consumidores (que são, consequentemente, grandes geradores de resíduos), é a inclusão de cláusulas contratuais que obrigam o fornecedor a se responsabilizar pela coleta e destinação dos resíduos gerados a partir de seus produtos.
Como colaborar com a gestão de resíduos?
Um descarte apropriado de lixo impacta diretamente a nossa saúde pública — logo, devemos e podemos cobrar autoridades para que esse processo siga se aprimorando. Esta é uma via de mão dupla: como cidadãos, também precisamos assumir responsabilidades. Mas para que o melhor dos cenários se concretize, é preciso planejamento e comprometimento, conforme analisa Valeria:
“É fundamental um comprometimento de todos, não dá mais para ignorar os impactos das mudanças climáticas, ou dos desastres causados por essas mudanças. Cada dia mais o mundo que habitamos entra em colapso, é preciso conscientização para mudar a rota que estamos.
Necessitamos de campanhas que esclareçam ainda mais os problemas gerados pela não redução do consumo e da não adoção da economia circular, apontando a responsabilidade de cada um. A indústria precisa assumir sua responsabilidade até o final do processo, inclusive cada vez mais adotando produtos que permitam a reutilização e reaproveitamento, assim como a adoção de responsabilidade pelo ciclo de vida do produto.
O governo precisa estabelecer normativas mais claras junto à gestão pública para implantação de sistema de economia circular, com metas e recursos para tal. Por fim, os consumidores, que somos todos nós, entenderem que é preciso mudar a postura atual, não apenas descartar seus resíduos achando que já cumpriu seu papel, mas sim ter um consumo consciente e ser um agente ativo de mudança.”
Carros elétricos: a solução do momento pode se tornar o problema do futuro?
Carros elétricos são a aposta do momento para solucionar o problema de emissão de gases de efeito estufa. No entanto, as baterias têm vida útil e o descarte em grande volume tende a ser um grande problema futuro. Quando perguntamos à Valeria qual seriam as melhores soluções para nos prepararmos desde já, a especialista afirma:
“Há uma grande polêmica em torno desse assunto, principalmente no Brasil. São vários pontos a serem observados: o primeiro é que o Brasil tem problemas com a demanda de energia, toda vez que temos um aquecimento da economia, há um gargalo em relação a esse ponto, pois muitas vezes, não há geração suficiente para a demanda, então como fica o atendimento de uma demanda de consumidores individuais de energia para o deslocamento?
Segundo: as baterias utilizadas e a serem descartadas são altamente problemáticas, demandando um tratamento específico e com grande impacto ambiental. Há, por fim, a necessidade de ampliação de minérios específicos para a produção dessas baterias, o que também gera outro grande impacto.”
Segundo a estudiosa, o cenário ideal é estabelecer metas para a redução significativa de uso de veículos individuais, privilegiar e incentivar os modais ativos, os transportes coletivos, como ônibus, metrôs e trens.