O que é o armazenamento de energia em microrredes, qual é sua importância e a relação com o hidrogênio?

Armazenamento de energia, microrredes, sistemas elétricos autônomos… todos esses termos são familiares para profissionais do setor de energia. Mas com as soluções de transição energética em pauta mundialmente, essas palavras são cada vez mais vistas na mídia – e inúmeras dúvidas surgem para quem não está familiarizado com esse segmento.

Dentro das discussões sobre energia, os sistemas de armazenamento são uma estratégia amplamente mencionada e fundamental para assegurar a estabilidade no fornecimento de energia para a população. O uso de microrredes é um dos métodos de destaque. 

Microrredes são sistemas elétricos autônomos ou parcialmente conectados à rede principal, que geram e distribuem energia elétrica para uma área específica, como um bairro ou uma comunidade. O hidrogênio surge como uma das tecnologias mais promissoras para o armazenamento de energia em microrredes. Neste artigo, você verá mais sobre este assunto que está na pauta mundial do setor de energia – com base em uma entrevista concedida pelo pesquisador do IEE-USP, Isnel Diaz:

Primeiramente, o que é o armazenamento de energia em microrredes e como funciona?

Segundo Isnel Diaz, microrredes são, tradicionalmente, “pequenos sistemas elétricos que podem funcionar em regiões isoladas e normalmente têm o suprimento energético baseado em geradores tipo diesel, o que traz um alto custo econômico e ambiental.”

O especialista explica que com a expansão das fontes de geração renovável, sistemas fotovoltaicos e eólicos aparecem como uma alternativa de fornecimento de energia limpa contribuindo com a diminuição no consumo de diesel. No entanto, contar apenas com o uso de energia renovável pode não ser uma alternativa completamente segura:

“O uso de energias renováveis não garante total confiabilidade, uma vez que a energia solar e eólica têm características de variabilidade temporal. Neste ponto, os sistemas de armazenamento surgem como elemento fundamental para o funcionamento de microrredes, garantindo que a energia renovável excedente em períodos de máxima geração seja armazenada para ser utilizada posteriormente em períodos de mínima geração renovável e aumento da demanda.”

Isnel menciona que o método de armazenamento em microrredes mais utilizado atualmente é o que faz uso de baterias. Porém, o armazenamento com hidrogênio vem conquistando seu espaço: 

“Uma das mais promissoras alternativas de armazenamento energético é por meio de hidrogênio, o qual é um gás que pode ser produzido usando energia solar ou eólica e armazenado por longos períodos. O hidrogênio, quando produzido a partir de fontes como solar e eólica pelo processo de eletrólise, é um elemento sustentável denominado ‘hidrogênio verde’ ou ‘de baixo carbono’, visto como peça chave no contexto da transição energética e a descarbonização global. Quando armazenado por sua vez tem multiplicidade de usos, um dos quais é o uso em células a combustível para gerar eletricidade novamente tendo como resíduo apenas água pura.”

Como é o processo de armazenamento de hidrogênio?

O processo de armazenamento de hidrogênio pode ser feito de forma líquida, sólida ou gasosa – a solução mais viável depende de cada projeto, considerando a aplicação e aspectos econômicos.

“Tradicionalmente o método mais usado é o armazenamento em estado gasoso requerendo um compressor para comprimir e armazenar o gás em cilindros metálicos de uma maneira similar ao que acontece com outros gases industriais. Este processo já é industrialmente conhecido e disponível comercialmente e portanto, o mais econômico e viável para uso em estações de abastecimento de veículos e células a combustível”, explica Isnel, que prossegue:

“O armazenamento em estado líquido envolve uma mudança de fase e consumo adicional de energia, tanto para o processo de liquefação quanto para a manutenção das baixas temperaturas que preservam o hidrogênio em estado líquido. Por ser um processo complexo e de alto custo, ainda está em fase de testes pilotos e é apontado para uso em transporte do hidrogênio envolvendo longas distâncias. Já o armazenamento em estado sólido é o menos desenvolvido; adicionando uma camada de complexidade ao armazenamento em estado líquido, já que envolve o uso de substâncias metálicas que formarão uma liga com os átomos de hidrogênio sob condições muito específicas de pressão e temperatura. Desta forma não há necessariamente uma mudança de fase do hidrogênio, mas sim a formação de uma outra substância tal como um hidreto.”

Conforme mencionado pelo especialista, a complexidade e alto custo do processo de armazenamento com o hidrogênio em estado sólido faz com que esse método seja o menos explorado até então. Outra alternativa pontuada é o armazenamento em forma de amônia, um processo já conhecido e que permitiria o armazenamento e transporte de hidrogênio em grandes quantidades de uma forma segura e econômica.

Conclui-se que o armazenamento em estado gasoso é adequado para aplicações próximas do local de uso, enquanto para transportes de longa distância, o estado líquido ou em forma de amônia apresentam-se como alternativas promissoras.

O que torna o hidrogênio uma opção atrativa para o armazenamento de energia em microrredes, em comparação com outras tecnologias?

De acordo com Diaz, o hidrogênio aparece como uma opção atrativa para armazenamento em micorredes dada a possibilidade de ser produzido diretamente a partir de fontes renováveis como a solar e eólica pelo processo de eletrólise. O pesquisador, em seguida, ilustra como é o processo de eletrólise:

“No processo de eletrólise a água é separada em seus componentes: oxigênio e hidrogênio, que pode ser armazenado em grandes quantidades de forma segura e por longos períodos. Uma vez armazenado, o hidrogênio pode ser usado em aplicações de transporte por meio de veículos movidos a célula a combustível; geração de energia estacionária, também por meio de células a combustível; queima em motores de combustão interna ou turbinas ou ainda mistura nas redes de gás natural. Em comparação aos tradicionais sistemas de armazenamento que usam baterias, o hidrogênio oferece maior capacidade e possibilidade de armazenamento de longo prazo sem perdas energéticas, assim como menor limitação quanto ao número de ciclos de carga e descarga o que garante maior tempo de vida útil destes sistemas.” 

O especialista reforça ainda que o recurso possui grande diferencial em relação a outros sistemas de armazenamento e outros combustíveis, visto que o hidrogênio tem versatilidade de usos que permitem atender demandas de transporte, energia estacionária e aplicações na indústria petroquímica e siderúrgica, entre outras.

Desafios do armazenamento de energia em microrredes com o uso de hidrogênio

“Podem ser citados os altos custos dos componentes, ausência de expertise na operação e manutenção, ausência de infraestrutura que possibilite o armazenamento e transporte do hidrogênio e lacunas referentes à normativas e diretrizes que garantam a confiança dos investidores e consumidores no uso deste tipo de tecnologia.”

No entanto, o estudioso aponta avanços que devem diminuir essas barreiras: “Nos últimos anos, muitos centros de pesquisa e corporações estão investindo no desenvolvimento de soluções para viabilizar a produção e uso de hidrogênio; grandes avanços têm sido atingidos e muitos projetos têm entrado em operações. Há previsão de expansão desta tecnologia nos próximos anos, com expectativa de um processo de massificação, impulsionado por incentivos governamentais e da indústria.”

Perspectivas para o Brasil

Por fim, Isnel Diaz discorre sobre as regiões do Brasil que mais podem se beneficiar desse recurso: 

“As regiões com maior potencial para desenvolver projetos de armazenamento de hidrogênio estão localizadas no Nordeste, dada a abundante disponibilidade de recursos energéticos renováveis. Estas regiões se beneficiariam pela atração de investimentos, desenvolvimento de indústrias de alto valor agregado e geração de empregos”, acrescentando: “estas condições podem ser extrapoladas para o resto do país levando em consideração o potencial de geração de energia renovável. Outras regiões que podem ser beneficiadas são regiões isoladas da região norte como a Amazônia, Rondônia e Pará onde existem mais de 200 localidades que não têm acesso ao sistema elétrico e dependem de combustíveis fósseis, como o diesel, para garantir o fornecimento energético. As regiões isoladas poderiam aproveitar os recursos renováveis como o eólico e solar para gerar hidrogênio localmente e posteriormente usar este para suprir suas necessidades energéticas.”

Rolar para cima